terça-feira, 19 de maio de 2009

Um novo mundo no meio do caos


















Em janeiro de 2004, depois de passar oito meses em Londres e um mês na Tailândia, decidi ir para a Índia. Queria acompanhar o Fórum Social Mundial, em Mumbai, e desbravar aquele lugar tão intrigante. A verdade é que ele se mostrou bem mais complexo depois de minha passagem por lá. Foram três meses com a mochila nas costas, sozinha, rodando do sudoeste para o noroeste do país. Os fatos vividos por mim foram diversos. Foi uma viagem difícil, mas que me ensinou a viver bem sozinha. O mundo externo a mim era tão exótico, que me reprimia em vários momentos. A cultura é diferente e os hábitos e costumes são totalmente peculiares. Amei a viagem, mas não acho que é para qualquer um encarar um país como aquele, especialmente sozinho, sendo mulher e branca-azêda como eu. Fui raçuda, confesso. Mas tudo o que vivi e cresci na viagem, além de ter tido a honra de estar próxima do Dalai Lama e do Gilberto Gil nessa mesma trip, fizeram dela um momento inesquecível. Segue uma matéria que foi encomendada como editorial da Carta Capital (que descartou o texto com extremo descaso, pois ele foi substituído por algum babado novo do Daniel Dantas e eles acharam o tema prioritário). O texto foi publicado na revista Jungle Drums (www.jungledrumsonline.com), uma publicação brasileira bilíngue bem bacana feita em Londres. Ela fala mais especificamente sobre o Fórum. Mais adiante reproduzo outras do mesmo destino.

*****************************************************************************************

Um novo mundo no meio do caos


Direto de Mumbai, na Índia, a repórter da JungleDrums Mariana Bergel descreve a atmosfera e o que aconteceu no Fórum Social Mundial

Texto e fotos de Mariana Bergel (matéria publicada na revista Jungle Drums, em fevereiro de 2004)











Visitar a Índia com certeza vai muito além de apenas uma aventura em um país exótico. Ao sair do aeroporto internacional, em Mumbai, é impossível evitar o contato direto com uma realidade dura e desumana. O cenário é caótico: barracos e mais barracos, pedintes, um trânsito completamente maluco e uma grossa névoa de poluição. À noite, impressiona ver o número de pessoas dormindo nas ruas. Com 18 milhões de habitantes, a cidade consegue reunir todos os problemas urbanos do mundo. Para os participantes do IV Fórum Social Mundial, que aconteceu em Mumbai entre 16 e 21 de janeiro, o slogan "um outro mundo é possível" ganhou a urgência de se buscar alternativas que possam transformá-lo em realidade.

A sede do Fórum (uma fábrica desativada) transformou-se em um grande espetáculo de sons, cores e cheiros e reuniu mais de 100 mil pessoas de 141 países, das quais pelo menos 500 eram brasileiros. Grupos de vários lugares do mundo, principalmente da Ásia, circulavam para cima e para baixo tocando tambores e colorindo o ambiente com roupas tradicionais, como turbantes, saris e trajes tibetanos. Quando os grupos se encontravam nas encruzilhadas, era um festival de danças e gritos de ordem. Essa era a voz dos excluídos para mostrar sua indignação e para quem o aperto de mão foi uma das linguagens mais praticadas.

O significado desse gesto foi ainda maior para os chamados intocáveis, também conhecidos como Dalits, grupo mais oprimido no sistema de castas que hierarquiza a sociedade na Índia. Entre a população do país, que já passa de 1,2 bilhão, eles representam quase 200 milhões. O Fórum mostrou a essas pessoas a possibilidade de conquistar dignidade, exemplificada nas palavras de uma jovem Dalit de 16 anos: "A gente veio para lutar pelos nossos direitos; saímos daqui com a sensação de que agora a gente pode fazer qualquer coisa". Neste Fórum os excluídos deixaram de ser um assunto debatido pela elite intelectual-política e compareceram em massa, vindos de diferentes regiões do continente.

Diferente do que aconteceu nas outras edições, em Porto Alegre, a estrutura do Fórum não contou com nenhum apoio governamental ou partidário. Através de doações de entidades, tendas e salas foram construídas com madeiras, cordas e panos, dando um ar de improviso que denunciava a falta de recursos.

A dignidade e os direitos humanos, a questão da Palestina, a crise da OMC, a privatização de recursos vitais como a água, a proposta de reformar a ONU e o FMI foram os principais temas entre os mais de mil debates e palestras.

É fato que a participação popular esteve muito mais consistente e ativa. Claro que isso não garante o fortalecimento da sociedade civil como um agente que possa realmente trazer mudanças. Mas há de se acreditar, como os Dalits, os tibetanos e todos os outros envolvidos, que, desde que existam ações práticas para dar continuidade ao desenvolvimento das propostas, as mudanças são possíveis.


Para nao dizer que nao falei das flores












A questão ambiental esteve longe de ser um dos temas mais abordados no IV Fórum Social Mundial. A privatização de recursos naturais (especialmente a água) por empresas multinacionais até foi bastante discutida, mas a questão do aquecimento global e outros temas fundamentais relacionados ao meio ambiente não tiveram destaque merecido na pauta do Fórum.

Para Lisângela Araújo, diretora nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), informação é essencial na luta pela preservação do meio ambiente. "Os movimentos ambientalistas estão ganhando força, mas falta informar melhor a população sobre coisas básicas", diz.

Francisco Whitaker, do Comitê de Organização do Fórum, concorda que faltou abordar mais a questão ambiental no evento, mas disse que os temas foram votados. "Não se pode falar em desenvolvimento social sem levar em conta o impacto ambiental", ressaltou.

Uma das soluções que seguem essa idéia e tiveram destaque no Fórum é a criação de eco-vilas, uma das mais efetivas alternativas para o desenvolvimento sustentável. Essas comunidades auto-sustentáveis, que reúnem de 50 à 2 mil pessoas, começaram a entrar em cena principalmente na ultima década. As eco-vilas criam um ambiente social positivo com o uso de tecnologias de baixo impacto ambiental, a produção de alimentos sem agrotóxicos, o tratamento do esgoto e do lixo de maneira e a criação e proteção de reservas naturais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário