quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Prêmio Empreendedor Social de Futuro 2009


Quem é David Hertz
35 anos  
Gastrônomo e chef de cozinha  
Solteiro 
Nasceu em Curitiba e mora em São Paulo  
Fundou a Gastromotiva que, por meio da prática, capacita jovens de baixa renda em curso profissionalizante em gastronomia para ingresso no mercado de trabalho, gera renda por meio de um bufê-escola e visa dar suporte ao desenvolvimento de negócios sociais em comunidades carentes


Tempero motivador
 

Chef de cozinha corre o mundo para descobrir no Brasil sua receita favorita: ajudar jovens a pilotar a vidas
MARIANA BERGEL
Colaboração para a Folha de S.Paulo
(matéria publicada no caderno especial Empreendedor Social 2009 em 09/12/2009)

Nascido em uma tradicional família judaica de Curitiba, David Hertz, 35, passou grande parte da juventude em busca de uma receita para sua vida.
Cresceu acompanhando o pai em sua loja de armarinhos. “Minha família é conservadora e o mais provável era que eu seguisse o mesmo rumo”, lembra.
A escola, o movimento juvenil e os eventos sociais da adolescência também eram dentro da comunidade judaica local.
Aos 18 anos, porém, foi para Israel, onde viveu num kibutz. “Tive ali a primeira visão de que havia um mundo maior e de que poderia buscar a minha história, seja lá qual fosse ela.”
O que era para ser uma viagem de um ano transformou-se em sete. Entre idas e vindas, visitou Tailândia, China, Vietnã, Índia, Inglaterra, Canadá.
Na Tailândia, fez seu primeiro curso de culinária. Na Índia, descobriu o lado ritualístico da gastronomia e, no contato com os ingredientes, um meio de sentir a essência das pessoas.
Mas foi em Toronto, onde trabalhou como entregador de comida, que pensou pela primeira vez em se tornar chef.
“Aos 25, vi que não estava sendo inteiro. Eu era conhecido como aquele que sempre falava que queria fazer uma coisa, mas nunca fazia. E isso me incomodava. Quando me aceitei, tudo começou a acontecer.”
Mudou-se para São Paulo, cursou a faculdade de gastronomia e logo tornou-se chef do recém-aberto café Santo Grão.
O sabor que buscava, entretanto, só encontrou em 2004, quando foi convidado a desenhar um projeto de cozinha dentro da favela do Jaguaré.
“Ao pisar na cozinha, vi um novo mundo, no qual descobri ser possível colocar todos os meus aprendizados na prática: superação de desafios, contatos pessoais, olhar positivo e, sobretudo, continuar minha busca pela troca de aprendizado.”
Surgiu, assim, o Cozinheiro Cidadão, que ensinava gastronomia a jovens do entorno.

Mais fermento 

Daí em diante, a receita de sua vida, por anos incerta, ficou mais que definida. Com o tempero da gastronomia, selecionou ingredientes como empreendedorismo, protagonismo juvenil, educação, inclusão.
Em um mês, conheceu a Artemísia, rede de apoio a negócios sociais que impulsionou seu projeto.
“Estavam procurando jovens com a ideia de montar um negócio social.”
Acompanhado da aprendiz Uridéia Costa, que conhecera no Cozinheiro Cidadão, decidiu, em 2005, criar um bufê-escola com formação profissional na prática, geração de renda e replicação de negócios sociais. Saía do forno a Gastromotiva.
“Pela primeira vez, após procurar tanto o que queria fazer da vida, eu estava muito em paz [com a busca]. As coisas vêm na hora em que têm de acontecer.”
Hoje, com uma equipe fixa de dez pessoas e 66 aprendizes formados em dois anos, o incansável David ri quando lembra os “32 nãos” que levou —e que continua ouvindo.
Mas não deixa de focar na autossustentabilidade e em adicionar fermento a seu impacto social.
“Adoraria inspirar outros negócios a virarem sociais. Ao ajudar as pessoas a encontrar seu caminho, eu me encontrei. Sinto-me muito empoderado.”

Colaborou CÁSSIO AOQUI, da Folha de S.Paulo
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Inovação A principal inovação está no impacto social transformador e na visão multiplicadora por meio de negócios sociais autossustentáveis, ambos com o suporte de uma gestão diferenciada e profissional dos processos. Esse conjunto, alicerçado na qualidade de atuação, faz da organização pioneira em negócios sociais gastronômicos no país
Impacto social A Gastromotiva beneficiou diretamente 66 jovens com curso profissionalizante em cozinha em dois anos. Neste ano serão formados 60 jovens e, no próximo, 120
Sustentabilidade Negócio social híbrido, a Gastromotiva depende de doações e gera receita com serviços e produtos do bufê-escola
Alcance A entidade atua na cidade de São Paulo, com enfoque em jovens de comunidades e bairros periféricos, como Paraisópolis, Vila Nova Jaguaré e Heliópolis, tendo ainda uma extensão piloto na Indonésia
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A visão de uma das beneficiárias do projeto
 
“Sou do interior do Rio Grande do Norte, fui criada pela minha avó com meus três irmãos, mas vivíamos em 14 pessoas em casa.
Minha mãe veio logo que eu nasci para São Paulo porque lá não tinha fonte de renda. Só a conheci aos 11 anos.
O meu pai eu conheci, mas ele nunca me aceitou como filha.
Eu tive uma situação financeira muito ruim. Já passei muita fome.
Hoje eu conto isso com muito orgulho porque eu superei tanta coisa pra conseguir esse meu espaço.
Aos 16 anos a minha avó ficou muito doente e minha mãe foi me buscar. Quando cheguei a São Paulo, fui morar na favela do Jaguaré.
A minha convivência com a minha mãe não foi igual a tudo aquilo que eu sempre sonhei.
No último dia de aula do ensino médio, eu pensei que naquele momento eu teria que me virar sozinha. Nesse dia eu vi um cartaz do Cozinheiro Cidadão.
O meu objetivo maior era comer lá porque se eu não comesse em casa eu não ia precisar ajudar a minha mãe.
De cara eu me apaixonei por tudo. Eu nunca tinha pensado em ter gastronomia como profissão.
Mas eu sempre gostei muito de ensinar. Foi isso que eu acho que mais me encantou na gastronomia.
No final do curso eu estava passando por uma fase de depressão, não queria sair de casa, não queria falar com ninguém.
Eu tinha acabado de brigar muito feio com a minha mãe, ela tinha me expulsado de casa. Foi no dia que, pela terceira vez, tentei me suicidar.
Aí apareceu o David com um convite da ONU e uma passagem para eu abrir a exposição sobre as oito metas do milênio em Nova York.
Só acreditei quando eu estava discursando para o Kofi Annan e para centenas de pessoas que ouviram a minha história.
Voltei decidida de que a minha vida ia ter uma transformação. Em seguida o David veio com a proposta de criar a Gastromotiva, mas ele não tinha dinheiro.
Aí eu percebi que a força de vontade, a garra que a gente tem que ter para superar as dificuldades tem que ser muito grande e isso a gente tinha.
O David foi o meu mestre em tudo. Hoje com eventos, ganho cerca de R$ 2.000 e estou fazendo faculdade de gastronomia.
Eu amo o que eu faço. Quando eu vejo os novos aprendizes com aquele brilho no olhar e penso que posso contribuir para que aquele brilho aumente cada dia mais, fico fascinada.
Onde eu moro as pessoas me chamam de estrela. Meus maiores presentes são saber que eles me têm como exemplo e ver as pessoas que entram na Gastromotiva evoluindo e mudando de vida.”

URIDÉIA ANDRADE DA COSTA, 24, coordenadora-executiva do Bufê Escola da Gastromotiva
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David Hertz é o primeiro vencedor do Prêmio Folha Empreendedor Social de Futuro 


Chef de cozinha, curitibano lidera a Associação Gastromotiva
foto: Rodrigo Paiva/Folha Imagem O ganhador do do Prêmio Empreendedor Social de Futuro 2009, David Hertz, comemora com a equipe da Gastromotiva

Da Folha de S.Paulo

Acostumado a coordenar dos bastidores diversos eventos em São Paulo, o chef David Hertz, 35, inverteu os papéis na noite de hoje e subiu ao palco no Masp para se tornar o primeiro vencedor do Prêmio Empreendedor Social de Futuro, lançado neste ano com exclusividade pela Folha.
"O prêmio é a certeza de que estamos no caminho certo, e essa trajetória toda é viável", celebrou o gastrônomo.
David é mentor e principal líder da Associação Gastromotiva, que de forma prática, capacita jovens de baixa renda em curso profissionalizante em gastronomia para ingresso no mercado de trabalho, gera renda por meio de um bufê-escola e visa dar suporte ao desenvolvimento de negócios sociais em comunidades carentes.
Em dois anos, sua organização formou 66 pessoas de bairros periféricos de São Paulo --neste ano serão formados 60 jovens e, no próximo, 120-- e acaba de replicar o modelo na Indonésia.
"Fiquei realizada, foi um sonho concretizado finalmente", festeja a sous-chef Uridéia Andrade da Costa, 24, coordenadora do Bufê Escola Gastromotiva e maior inspiração de David na criação da ONG.
Com a vitória, o gastrônomo receberá uma consultoria de gestão da sitawi e uma bolsa de estudos integral para curar o MBA Gestão e Empreendedorismo Social, do Ceats-FIA (Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor da Fundação Instituto de Administração).
"Todo o patrocínio que recebermos beneficiará cada projeto dos alunos da Gastromotiva", ressaltou David.
O outro finalista do concurso foi o educador ambiental e especialista em saúde pública Daniel Cywinski, 35, cofundador da Associação Mestres da Obra, também de São Paulo, que implanta atividades culturais em canteiros de obras em São Paulo.
Com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento humano dos operários da construção civil, Daniel realiza ateliês de arte com resíduo da própria construção e atividades de fotografia, música e teatro, pelos quais, desde 2008, passaram 290 trabalhadores, que tiveram as obras expostas em São Paulo, Rio, Maceió e Barcelona.
De iniciativa exclusiva da Folha, o Prêmio Empreendedor Social de Futuro 2009 tem visa incentivar ideias inovadoras postas em prática há mais de uma no e há menos de três e tem como apoiadores o Ceats-FIA, a Fundação Schwab, o Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, o UOL e a sitawi, com patrocínio da Caixa e da Nestlé.